Como realizar projetos com menos consumo de água?

A busca por redução de danos à natureza gera a procura por soluções mais sustentáveis em diferentes áreas. Parte dessa preocupação está relacionada ao consumo consciente de água, que poderia ser otimizado com a aplicação do conceito de redução da pegada hídrica. “Esse termo leva em consideração não apenas o volume de água consumida a partir de diversas fontes – como a água superficial ou subterrânea, chamada de ‘água azul’; ou a água armazenada de chuvas, chamada de 'água verde' –, mas também toda a água poluída durante o processo produtivo”, explica a arquiteta Caroline Ganzert Afonso, professora de teoria e história da arquitetura, projeto arquitetônico e de conservação e restauro, no Centro Universitário Curitiba.

 

 

 

 

Como realizar projetos com menos consumo de água? (Foto: Divulgação)Localizada em Lençóis, na Bahia, esta casa foi projetada pelas arquitetas Eliana Lyra, Alba Suerdieck e Renata Leony. Por lá, a água é obtida de poço artesiano, o esgoto funciona por sistema biodigestor e a energia é 100% solar (Foto: Divulgação)

Neste contexto, a professora salienta que a construção civil é um dos grandes agentes poluidores e consumidores dos recursos naturais. Por isso, atualmente, é quase inviável projetar sem pensar nos métodos utilizados e nas pessoas que são afetadas. “Desde a fase projetual, não devemos levar em consideração apenas as escolhas dos materiais [que menos impactem o meio ambiente em sua extração, processamento e transporte]. É essencial também trabalharmos com opções que utilizem menos recursos em seu processo de instalação”, afirma a profissional. Ela ressalta ainda que os arquitetos e engenheiros são agentes ativos e responsáveis por essas mudanças comportamentais.

Como alternativas para reduzir o consumo de água, Caroline aponta que as soluções podem estar em práticas adotadas por culturas antigas. “É válido pensar em um projeto que priorize a energia solar, uma boa ventilação e o uso de infraestruturas de reaproveitamento de água e coletas de chuva. Essas opções trazem vantagens ambientais e também econômicas. Além disso, usar sistemas de tratamento de esgoto doméstico para substituir os sistemas convencionais pode resultar em menores danos nos sistemas de saneamento e nos lençóis freáticos. Outra solução interessante se apoia na biofiltragem, que trata da autolimpeza realizada pelos próprios recursos naturais”, sugere.

Como realizar projetos com menos consumo de água? (Foto: Joe Fletcher Photography )O escritório Faulkner Architects propôs o encontro perfeito entre arquitetura e natureza com esta casa sustentável que reverencia árvores esculturais, na Califórnia. O local possui um sistema de coleta de água da chuva e outro de controle de aquecimento e resfriamento interno (Foto: Joe Fletcher Photography )

 


Para o professor e consultor ambiental Maurício Waldman, todo e qualquer projeto com baixa pegada hídrica é bem-vindo, afinal a forte escassez de água já é uma realidade e tende a se acentuar em futuro próximo. “Se pensarmos que três em cada 10 pessoas não têm acesso a serviços de água segura; seis em cada 10 não dispõem de instalações sanitárias, e, para piorar, que em 2050 – isto é, historicamente amanhã –, estima-se que quase metade da humanidade não poderá ter acesso nem mesmo a 50 litros de água por dia, a realidade impõe por si só a necessidade de metodologias, materiais e ciclos produtivos que economizem mais água e também minimizem os impactos destrutivos das atividades econômicas”, enfatiza Waldman, que também é pesquisador sênior na Óbuda University, na Hungria, e autor do livro Água: Escassez e Conflitos no Império da Sede.

Como realizar projetos com menos consumo de água? (Foto: Rafael Gamo)Projetada pelos arquitetos do escritório Vgz Arquitectura y Diseño, esta casa utiliza pouca luz artificial durante o dia e conta com um sistema de captação de agua da chuva, que permite uma autonomia de até 30 dias de uso (Foto: Rafael Gamo)

 

Em relação aos caminhos que podem ser avaliados para as construções, o professor destaca que o bloco cerâmico, por exemplo,  utiliza 65% menos água do que blocos de concreto e 89% menos insumo hídrico do que as paredes de concreto. “Os materiais cerâmicos convivem sem mágoas com o ambiente, em relação à preservação das águas subterrâneas e na condição de resíduos, inclusive. Isto porque são, decididamente, inertes. Certamente, isto não implica em abolir o cimento. Na ótica da economia dos materiais, não existe material vilão. Contudo, todo material tem um papel e uma função básica que pode ser alterada. Além disso, observo que estamos fluindo na direção do conceito de construção limpa, que por definição tem que ser eficiente e integral", diz.

Como realizar projetos com menos consumo de água? (Foto: Valode & Pistre)Situado em Grenoble, na França,complexo de edifícios ABC, projetado pelo escritório Valode & Pistre e pela empresa de construção Bouygues Construction, promove o reaproveitamento de água e o uso de energia solar, além de propor o consumo e o descarte de resíduos controlados (Foto: Valode & Pistre)

 

 

Sobre os desafios enfrentados pela indústria, o especialista Antônio Eduardo Giansante, professor de engenharia hídrica da Universidade Presbiteriana Mackenzie, reforça que as técnicas de recuperação da qualidade da água precisam ser mais bem apoiadas e divulgadas. “São várias possibilidades e, no caso das indústrias, a recirculação de água com prévio tratamento é um exemplo. A troca de equipamento também é uma forma de uso mais eficiente da água, porque a percepção de que ela é um recurso escasso é mais recente, existindo equipamentos mais antigos que não seguiam essa diretriz, já que a água era entendida como ilimitada e de baixo custo”, finaliza.